Dra. Amira explica: Transtorno do Espectro Autista

Transtorno do Espectro Autista

Aquaterapia para autistas - autismoDesde as descrições iniciais, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem sido um dos distúrbios do desenvolvimento humano que mais vem sendo estudado pela ciência, mas sobre o qual ainda permanecem divergências e grandes questões ainda indecifráveis. Não é uma doença única, mas sim um distúrbio do neurodesenvolvimento complexo, tendo no ponto de vista comportamental e nas suas etiologias múltiplas, os seus graus variados de severidade.

Atualmente, de acordo com a quinta edição do Manual  Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da American  Psychiatric Association (DSM 5),  foi reconceitualizado como um “espectro” cujas características essenciais são: prejuízos persistentes na comunicação social recíproca, nos comportamentos comunicativos não verbais utilizados para a interação social e no desenvolvimento, manejo e compreensão de relacionamentos, bem como padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses ou atividades.

Quanto a prevalência do espectro autista, os estudos variam muito de acordo com os critérios de diagnóstico aplicados e o local do estudo. Nos Estados Unidos, o último estudo do CDC – Centro de Controle e Prevenção de Doenças, publicado em 2018 e referente a 2016 , revelam que aos 8 anos de idade uma em cada 54 crianças é autista, sendo 4 vezes mais comuns em meninos do que em meninas.

No Brasil a prevalência do transtorno autista ainda carece de dados fidedignos. Existem estudos pontuais, envolvendo áreas específicas. Os pesquisadores da Universidade Mackenzie e da Unifesp avaliaram um bairro da cidade de Atibaia (com uma população de 20.000 pessoas) e encontraram uma frequência de 0,3% de portadores de TEA. Carecemos de mais pesquisa nesta área para dimensionarmos a nossa real prevalência do autismo e assim podermos dimensionar melhor nossas necessidades de serviços e profissionais capacitados para atendimento desta fatia da nossa população.

A etiologia do autismo ainda não é devidamente esclarecida, embora se saiba que envolva fatores genéticos, biológicos, imunológicos e ambientais. A influência de fatores genéticos é consenso na área. Podem ser estimadas altas taxas de concordância entre gêmeos monozigóticos (65 a 95%) quando comparadas às de gêmeos dizigóticos (3 a 8%). A taxa de concordância para irmãos (2,8 a 7%) também é significativamente mais alta que a da população em geral. Ainda que a pesquisa genética atual tenha identificado vários alelos suscetíveis ao desenvolvimento de comportamentos ligados ao espectro autista, os dados ainda são insuficientes para predizer a severidade do fenótipo e a forma como esses genes interagem com os fatores ambientais.

Entre os fatores de risco ambientais envolvidos no desenvolvimento de comportamentos ligados ao autismo estão toxinas (poluentes, pesticidas etc), viroses,  fatores intra-uterinos, como exposição a elevados níveis de hormônios sexuais em tratamentos de infertilidade, uso do anti-convulsivante ácido valproico na gestação. Fatores perinatais como baixo escore no Apgar (< 7) aos 5 minutos, baixo peso (< 2,5 Kg), idade gestacional abaixo de 35 semanas e idade dos pais (> 30 e 35 anos para mãe e pai, respectivamente) também estão significativamente associados ao risco de autismo.

De acordo com estas possíveis etiologias, na prática clínica, recomenda-se inicialmente a distinção entre os subtipos idiopáticos e secundários de TEA. Aproximadamente 10% dos casos de TEA são secundários, ou seja, podem ser atribuídos a alguma anomalia cromossômica, transtorno genético, infecção ou condição neurológica grave. Os casos de TEA idiopáticos, correspondendo aos 90% restantes, apresentam etiologia multifatorial, ou seja, teoricamente são influenciados por uma interação complexa entre fatores genéticos e ambientais de risco.

As manifestações clínica que definem o autismo, em algumas crianças é possível percebe-las no primeiro ano de vida. Entretanto na maioria das vezes só é possível esta percepção entre o segundo e terceiro ano. As dificuldades na interação social podem manifestar-se como isolamento ou comportamento social impróprio; pobre contato visual; dificuldade em participar de atividades em grupo; indiferença afetiva ou demonstrações inapropriadas de afeto; falta de empatia social ou emocional. À medida que esses indivíduos entram na idade adulta, há, em geral, uma melhora do isolamento social, mas a pobre habilidade social e a dificuldade em estabelecer amizades persistem. Normalmente estes sintomas não são percebidos pelos pais, porém quando estas crianças entram para escola ou creches as professoras logo percebem que preferem brincar sozinhos, não interagem com os coleguinhas. As dificuldades na comunicação são os sinais clínicos mais precocemente percebido pelos pais. É muito comum a queixa para os profissionais na área da saúde de que “Meu filho não fala e não atende quando o chamo. Será que é surdo?”. Estes sintomas ocorrem em graus variados, tanto na habilidade verbal quanto na não-verbal de compartilhar informações com outros. Algumas crianças não desenvolvem habilidades de comunicação. Outras têm uma linguagem imatura, caracterizada por jargão, ecolalia, reversões de pronome, prosódia anormal, entonação monótona, etc. Os que têm capacidade expressiva adequada podem ter inabilidade em iniciar ou manter uma conversação apropriada. Os déficits de linguagem e de comunicação persistem na vida adulta, e uma parcela dos autistas permanecem não-verbais. Aqueles que adquirem habilidades verbais podem demonstrar déficits persistentes em estabelecer conversação, tais como falta de reciprocidade, dificuldades em compreender sutilezas de linguagem, piadas ou sarcasmo, bem como problemas para interpretar linguagem corporal e expressões faciais.

Os padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades característicos do autismo incluem resistência a mudanças, insistência em determinadas rotinas, apego excessivo a objetos e fascínio com o movimento de peças (tais como rodas ou hélices). Embora algumas crianças pareçam brincar, elas se preocupam mais em alinhar ou manusear os brinquedos do que em usá-los para sua finalidade simbólica. Estereotipias motoras e verbais, tais como se balançar, bater palmas repetitivamente, balançar as mãos, andar em círculos ou repetir determinadas palavras, frases ou canções são também manifestações freqüentes em autistas.

A literatura a cerca do diagnóstico do autismo sugere que quanto mais precoce for a intervenção adequada em crianças autistas, maiores são os ganhos destas crianças, podendo se minimizar os déficits, facilitando a integração destas pessoas na sociedade e reduzindo a dependência extrema  aos seus cuidadores. Estes resultados destacam a necessidade de realizar avaliações amplas das deficiências no desenvolvimento nos primeiros anos de vida. Muitas vezes não dá para esperar a conclusão final do diagnóstico para iniciar as intervenções terapêuticas necessárias. Tão logo se perceba que a criança apresente alguns dos sinais  de alerta, deve-se procurar imediatamente um profissional com experiência com os transtornos do desenvolvimento, para orientar os caminhos que devem ser seguidos. Não se deve esperar para ver se vai melhorar com o passar do tempo.

O diagnóstico do autismo é clínico. Não existem exames que possam dizer que uma criança tenha autismo. O diagnóstico é feito pelo médico, entretanto em casos limítrofes a ajuda do olhar de outros profissionais com experiência na área, como psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais com experiência em avaliação dos transtornos sensoriais, podem ajudar muito a concluir este diagnóstico. Muitas vezes é necessário observação da criança em vários ambientes e contextos, além do consultório médico. Para crianças que já frequentam creches ou escolas, relatos sobre seu comportamento e interação com os colegas e professores no ambiente escolar, também se fazem necessário.

Como protocolo para conclusão diagnóstica o médico deve utilizar os critérios do DSM 5. Concomitante ao diagnóstico clínico, deve ser feito o diagnóstico funcional do paciente com autismo. Para tanto deve torna-se necessária uma  avaliação ampla, mas mantendo o foco nas esferas afetadas pelo TEA, para que haja um direcionamento adequado na formulação do plano terapêutico para aquele paciente. A avaliação deve ser ampla, mas mantendo o foco nas esferas afetadas pelo TEA, com foco em detectar dificuldades e áreas de habilidades.

Feito o diagnóstico clínico e funcional do paciente, a intervenção deve ser iniciada o quanto antes, se possível logo nos primeiros meses de vida, mesmo que ainda pairem dúvidas no diagnóstico clínico. Tais condutas têm como objetivo promover melhor qualidade de vida, autonomia, independência e inserção social, escolar e laboral do paciente, cabendo a equipe de terapeutas identificar qual o melhor  recurso ou abordagem terapêutica que o auxiliará nesse processo. Devem ser feitas reavaliações periódicas para a adequação da terapêutica às novas necessidades da criança.

Não existe uma abordagem única para todas as crianças com autismo e durante todo o seu tratamento. Um tipo específico de intervenção pode funcionar bem por certo período (p.ex., nos anos anteriores à escolarização) e não funcionar tão bem nos anos subseqüentes (p.ex., adolescência). A eficácia do tratamento depende da experiência e do conhecimento dos profissionais sobre o autismo e, principalmente, de sua habilidade de trabalhar em equipe e com a família. É importante estabelecer os objetivos terapêuticos para guiar o trabalho da equipe multiprofissional e contribuir para um trabalho conjunto e equânime.

Existem diversos métodos de abordagem terapêutica para tratamento do autismo. A literatura mostra melhores evidências científicas com o uso do ABA (Applied Behavior Analysis) a Análise Aplicada do Comportamento. A Integração Sensorial também é muito importante no tratamento dos autistas com transtornos na sua sensibilidade. Trabalha com técnicas específicas na melhora do input sensorial, seja por problemas na modulação sensorial (defensividade tátil e auditiva, inquietação motora, insegurança gravitacional, intolerância e movimento), seja na coordenação (integração bilateral, sequenciamento e dispraxias, dificuldade de planejamento motor) .

Não existe medicações para  os sintomas centrais do autismo e não há remédios que melhorem a interação social e a capacidade comunicativa.  Os medicamentos existentes no mercado são para os sintomas como ansiedade, hiperatividade, agressividade, automutilação  e comportamento obsessivosO que é TEA? que o paciente apresente, não constituindo a principal medida de tratamento.

O envolvimento da escola e família também é fundamental no tratamento dos autistas, pois as atividades do cotidiano requerem frequência e realização diárias. Quanto mais oportunidades para praticar, em seu ambiente natural, a criança tiver, maiores as chances de uma vida independente.

Enfim, o sucesso do tratamento da criança com autismo depende muito do diagnóstico precoce, da eficácia das técnicas terapêuticas utilizadas, da assiduidade e intensidade nas horas de terapia e na integração entre os terapeutas, escola e família do paciente no desenvolvimento do plano terapêutico do mesmo.

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Amira Consuêlo de Melo Figueiras, médica pediatra, doutora em ciências pelo Programa de Pediatria e Ciências Aplicada a Pediatria da Universidade Federal de São Paulo, diretora clínica do Espaço ARIMA.

 

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